terça-feira, 5 de abril de 2011

SEMANA DE ARTE MODERNA

ANTECEDENTES NACIONAIS

Por volta de 1912, Oswald de Andrade, recém-chegado da Europa, começa a divulgar, através de jornais paulistas, as novas correntes estéticas européias, principalmente as idéias futuristas de Marinetti. Mas, a rigor, essas idéias não encontram grande receptividade a não ser em grupos reduzidos de jovens intelectuais, ainda sufocados pela linguagem anacrônica da arte dominante.

A exposição de Anita Malfatti

Em 1917, depois de Estudar na Europa e nos Estados Unidos, Anita Malfatti retorna ao Brasil e realiza uma mostra de seus quadros em São Paulo. Com uma técnica de vanguarda, a sua pintura surpreende o público, acostumado com o realismo acadêmico, trivial e sem ousadia. pictórico. Mas, em geral, as reações são favoráveis até que Monteiro Lobato, crítico de artes de O Estado de São Paulo, escreve um artigo feroz intitulado Paranóia ou mistificação, no qual acusa toda a Arte moderna:

Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas(..) A outra espécie é formada pelos que vêem anormalmente a natureza e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. (...) Embora eles se dêem como novos, precursores de uma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e com a mistificação.(...) Essas considerações são provocadas pela exposição da senhora. Malfatti onde se notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia.

A reação da elite paulistana, que confiava cegamente nas opiniões e gostos pessoais do autor de Urupês, é imediata: escândalo, quadros devolvidos, uma tentativa de agressão à pintora, a mostra fechada antes do tempo.

O artigo demolidor serve, entretanto, par que os jovens "futuristas" brasileiros, até então dispersos, isolados em pequenos agrupamentos, se unam em torno de um ideal comum: destruir as manifestações artísticas que remontavam ao século XIX, especificamente, no caso da literatura, o parnasianismo poético, medíocre e superado. Neste sentido, a exposição de Anita Malfatti funciona como estopim de um movimento que explodiria na Semana de Arte Moderna.

Quatro estréias promissoras

Ainda em 1917, são editados livros de poemas de quatro jovens autores. Percebe-se neles o quão forte era a herança parnasiana, e mesmo a simbolista ou a romântica, mas se pode vislumbrar também algo de novo. Mais uma ânsia, uma procura, um grito abafado que propriamente uma realização. Ainda com timidez, eles intentavam caminhos alternativos:

Há uma gota de sangue em cada poema - Mário de Andrade
Nós - Guilherme de Almeida
Cinzas das horas - Manuel Bandeira
Juca Mulato - Menotti del Picchia

As esculturas de Brecheret

Em 1920, os jovens paulistas descobrem as esculturas de Brecheret. Impregnadas de modernidade, constituirão uma das bandeiras da Semana, pois Brecheret fora contratado para realizar o Monumento às Bandeiras e ao apresentar às autoridades as maquetes da obra, tivera o trabalho recusado. Anos depois, o monumento seria erigido, tornando-se um símbolo de São Paulo e a escultura pública mais admirada no país.

Mas, naquele instante, o caso Brecheret fornece munição à rebeldia estética que germinava na capital paulista. Ou como diria Menotti del Picchia: "Foi sua arte magnífica que abriu os nossos cérebros, (...) criado entre nós uma arte forte, liberta, espontânea."

A Semana de Arte Moderna

Finalmente, em fevereiro de 1922, realiza-se em São Paulo a Semana de Arte Moderna. O objetivo dos organizadores era acima de tudo a destruição das velhas formas artísticas na literatura, música e artes plásticas. Paralelamente, procuravam apresentar e afirmar os princípios da chamada arte moderna, ainda que eles mesmos estivessem confusos a respeito de seus projetos artísticos. Oswald de Andrade sintetiza o clima da época ao afirmar: "Não sabemos o que queremos. Mas sabemos o que não queremos." A proposição de uma semana (na verdade, foram só três noites) implicava uma amostragem geral da prática modernista. Programaram-se conferências, recitais, exposições, leituras, etc. O Teatro Municipal foi alugado. Toda uma atmosfera de provocação se estabeleceu nos círculos letrados da capital paulista. Havia dois partidos na cidade: o dos futuristas e o dos passadistas.

Desde a abertura da Semana, com a conferência equivocada de Graça Aranha: A emoção estética na Arte Moderna, até a leitura de trechos vanguardistas por Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Oswald de Andrade e outros, o público se manifestaria por apupos e aplausos fortes.

Porém, o momento mais sensacional da Semana ocorre na segunda noite, quando Ronald de Carvalho lê um poema de Manuel Bandeira, o qual não comparecera ao teatro por motivos de saúde: Os sapos. Trata-se de uma ironia corrosiva aos parnasianos, que ainda dominavam o gosto do público. Este reage através de vaias, gritos, patadas, interrompendo a sessão. Mas, metaforicamente, com sua iconoclastia pesada, o poema delimita o fim de uma época cultural:

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
'- Meu pai foi à guerra
- Não foi! - Foi! - Não foi!' O sapo-tanoeiro
Parnasiano aguado
Diz: - 'Meu cancioneiro
É bem martelado*.'

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento* sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhe dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma. Clame a sapataria
Em críticas céticas:
'Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas...'

Brada de um assomo
O sapo-tanoeiro:
'A grande arte é como
Lavor de Joalheiro'

Urra o sapo-boi:
'- Meu pai foi rei - Foi!
- Não foi! - Foi! - não foi!'

Principais participantes da Semana

Literatura:
Mário de Andrade - Oswald de Andrade - Graça Aranha - Ronald de Carvalho -
Menotti del Picchia - Guilherme de Almeida - Sérgio Milliett

Música e Artes Plásticas:
Anita Malfatti - Di Cavalcanti - Santa Rosa - Villa-Lobos - Guiomar Novaes


A importância estética da Semana

Se a Semana é realizada por jovens inexperientes, sob o domínio de doutrinas européias nem sempre bem assimiladas, conforme acentuam alguns críticos, ela significa também o atestado de óbito da arte dominante. O academicismo plástico, o romantismo musical e o parnasianismo literário esboroam-se por inteiro. Ela cumpre assim a função de qualquer vanguarda: exterminar o passado e limpar o terreno.

É possível, por outro lado, que a Semana não tenha se convertido no fato mais importante da cultura brasileira, como queriam muitos de seus integrantes. Há dentro dela, e no período que a sucede imediatamente (1922-1930), certa destrutividade gratuita, certo cabotinismo*, certa ironia superficial e enorme confusão no plano das idéias..

Mário de Andrade dirá mais tarde que faltou aos modernistas de 22 um maior empenho social, uma maior impregnação "com a angústia do tempo". Com efeito, os autores que organizaram a Semana colocaram a renovação estética acima de outras preocupações importantes. As questões da arte são sempre remetidas para a esfera técnica e para os problemas da linguagem e da expressão. O principal inimigo eram as formas artísticas do passado. De qualquer maneira, a rebelião modernista destrói o imobilismo cultural - que entravava as criações mais revolucionárias e complexas - e instaura o império da experimentação, algo de indispensável para a fundação de uma arte verdadeiramente nacional.

Caberia ainda ao próprio Mário de Andrade - verdadeiro líder e principal teórico do movimento - sintetizar a herança de 1922:

A estabilização de uma consciência criadora nacional, preocupada em expressar a realidade brasileira.
A atualização intelectual com as vanguardas européias.
O direito permanente de pesquisa e criação estética.

A Semana e a realidade brasileira

A Semana de Arte Moderna insere-se num quadro mais amplo da realidade brasileira. Vários historiadores já a relacionaram com a revolta tenentista e com a criação do Partido Comunista, ambas de 1922. Embora as aproximações não sejam imediatas, é flagrante o desejo de mudanças que varria o país, fosse no campo artístico, fosse no campo político.

Um dos equívocos mais freqüentes das análises da Semana consiste em identificá-la com os valores de uma classe média emergente. Ela foi patrocinada pela elite agrária paulista. E os princípios nela expostos adaptavam-se às necessidades da refinada oligarquia do café. Uma oligarquia cosmopolita, cujos filhos estudavam na Europa e lá entravam em contato com o "moderno". Uma oligarquia desejosa de se diferenciar culturalmente dos grupos sociais. Enfim, uma classe que encontrava no jogo europeísmo (adoção do "último grito" europeu) - primitivismo (valorização das origens nacionais) - que marcaria a primeira fase modernista - a expressão contraditória de suas aspirações ideológicas.

Outro equívoco é considerar o movimento como essencialmente antiburguês. O poema Ode ao burguês, de Mário de Andrade, e alguns escritos de outros participantes da Semana podem levar a esta conclusão. Mas não esqueçamos que a burguesia rural, vinculada ao café, apoiou os jovens renovadores. E, além disso, toda crítica dirigia-se a um tipo de burguesia urbana, composta geralmente de imigrantes, inculta, limitada em seus projetos, sem grandeza histórica, ao contrário das camadas cafeicultoras, cujo nível de refinamento cultural e social era muito maior.

Neste caso, os modernistas se comportam como aqueles velhos aristocratas que menosprezam a mediocridade dos "novos-ricos". No início da década de 30, Oswald de Andrade já perceberia o quão contraditória era a sua crítica ao universo das classes citadinas. Daí o prefácio do romance Serafim Ponte Grande, em 1933.

A situação "revolucionária" desta bosta mental sul-americana, apresentava-se assim: o contrário do burguês não era o proletário - era o boêmio! As massas, ignoradas no território e como hoje, sob a completa devassidão econômica dos políticos e dos ricos. Os intelectuais brincando de roda.

* Iconoclasta: destruidor de ícones, de valores consagrados.
* Enfunando: inflando.
* Martelado: alusão ao martelo do escultor, com quem o poeta parnasiano se comparava.
* Frumento: o melhor trigo.
* Cognatos: que tem a mesma raíz.

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